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Melodia para o Destino - Capítulo 2

CAPÍTULO II

PERIPÉCIAS

Naquela manhã, por volta das seis e meia, a campainha da casa dos Paroccinio tocou. Como de costume, a Sr.ª. Cervantes atendeu à porta e lá se encontrava o garoto que esteve lá durante a madrugada e um homem ao seu lado, mais alto e corpulento, com cabelo grisalho e grossas costeletas. Era o Sr. Dolak; Arshavin Dolak, e o jovem já previsto era Yaroslav Dolak, seu filho. Visto que as conferências entre Paroccinio e Dolak eram freqüentes – principalmente após a morte de Marchioni – a governanta não se delongou e os conduziu para dentro da casa. No entanto, junto com os dois, entrou também uma criança, igualmente trajada a rigor, e seguindo os passos dos dois primeiros. Percebendo a expressão de curiosidade da Sr.ª Cervantes, Arshavin se encarregou de explicar:

- Ele está conosco. – disse o homem.

Esclarecendo-se a questão, os três foram levados para o interior da mansão, aonde já os aguardava o Sr. Paroccinio. Ao encontrarem-se, Galiano naturalmente notou o ser adicional que se apresentava ali.

- É o filho do Marchioni? – perguntou ele.

- Sim. – respondeu Arshavin – o nome dele é Cezar.

- Por que o trouxe aqui?

- A governanta da minha casa, que tomava conta dele, faleceu recentemente. Yaroslav iria ficar com ele hoje, mas você o queria aqui também.

- Está bem. – disse Galiano – Arshavin, vamos tratar de negócios primordiais. Yaroslav, fique com o pequeno Cezar na antessala. Creio que Angelo ou Celeste devem estar lá. Em algum tempo chamarei você.

- Sim, senhor! – disse Yaroslav, e tomando o garoto pelo braço, se retirou da sala de reunião.

Ao caminharem, porém, Cezar se soltou de Yaroslav e parou olhando para o chão. Yaroslav, com certa impaciência chamou o menino. Na ausência de uma resposta, o jovem russo tentou puxá-lo novamente pelo braço, no que Cezar se abaixou e puxou do chão um minúsculo fio de nylon. Yaroslav parou então para observar. O fio era verdadeiramente muito fino, e transparente também.

- Como você viu isso? – perguntou o jovem, espantado.

- Estava aí bem à sua frente. Como você não viu? – perguntou de forma curiosa, o garoto.

Yaroslav suspendeu o fio e viu que ele abrangia uma distância desde a porta da sala de reuniões até a porta que dava para a ante-sala.

- Parece que não fui apenas eu o desatento. Veja, o fio vai dar na sala de reunião.

- Na verdade ele vai por cima da sala.

- Como?

- O fio. Ele entra no rodapé da parede.

- Então aonde vai dar esse fio?

Enquanto Yaroslav ainda falava, um menino saltou de cima do forro do vão ao chão, deixando os outros dois jovens perplexos. O menino era Hugo Cervantes, o criado latino dos Paroccinio. O humilde servo ficou mudo em vista dos outros dois suntuosos jovens, e seu olhar delatava uma grande apreensão.

- O que você estava fazendo, garoto? – perguntou ferozmente Yaroslav.

Hugo começou a tremer de medo. Yaroslav levantou-o pela camisa e ameaçou-o novamente. O jovem criado era a personificação do pavor, não esboçava reação diante de tal animosidade. A situação, porém, foi interrompida pela voz do jovem anfitrião.

- Yaroslav!

O russo olhou para Angelo que estava parado na entrada da sala.

- Poderia colocar meu criado no chão?

Yaroslav surpreendeu-se com a presença do caçula da família Paroccinio na casa, e o obedeceu prontamente. Porém o disfarce de Angelo havia se comprometido. Yaroslav olhou lentamente para Angelo, seu criado, e para o fio de nylon. Com a situação mais clara em sua mente, ele indagou:

- Há quanto tempo vem espionando as reuniões do seu pai?

Angelo, como que admitindo que fora descoberto e percebendo que nada poderia ser feito, finalmente falou.

- Desde que eu percebi que ele não queria que eu fizesse isso. – respondeu Angelo – E você irá fazer o quê? Vai me entregar?

- E por que eu faria isso? Afinal, cedo ou tarde você não precisará mais disso. Já estará entre nós.

Angelo deu um leve sorriso ao ouvir essa provável notícia de Yaroslav.

- Então, você não quer saber sobre o que eles estão conversando?

- Saberei mais tarde. Não preciso ficar escalando paredes. A propósito, este garoto é Cezar, ele é...

- Filho de Marchioni.

- Já o conhecia?

- Não. Muito prazer, Cezar! – disse Angelo estendendo a mão para o garoto calado à sua frente.

Cezar demorou um pouco pra erguer a mão e corresponder à saudação de Angelo, fato que deixou o pequeno Paroccinio irritado. Angelo baixou sua mão, e numa mudança repentina de humor se retirou da sala, chamando seu criado Hugo, com ele.

Aquele episódio não isolou-se na história da família Paroccinio. Com o passar dos meses, Arshavin e Yaroslav Dolak vieram com alta frequência à mansão Paroccinio, e algumas vezes traziam consigo o calado órfão Cezar Marchioni.

Três anos depois, Angelo e Hugo, que faziam tarefas escolares num vão da sala, ouviram num fim de tarde, o Sr. e a Sr.ª Paroccinio convocarem Celeste para seu quarto para tem uma conversa. Esta conversa durou exatas duas horas e trinta e seis minutos, conforme marcado no relógio de bolso de Angelo. Logo depois da porta do quarto abrir, saíram de lá Galiano, Kiara e Celeste. Celeste exibia uma expressão mista de surpresa, felicidade e pavor. Depois de algum tempo perambulando pela casa, Celeste saiu da mansão. Angelo olhou pra Hugo, convocando-o para seguir sua irmã e esclarecer o mistério que rondava a conversa dela com seus pais.

Celeste, no auge dos seus quinze anos, correu com seus cabelos não tão longos a voar com o vento, naquela tarde em que o sol parecia se esforçar para continuar brilhando ao saber que a noite se aproximava. Angelo e Hugo seguiam-na de uma distância segura para não correr o risco de serem pegos. Os dois pequenos espiões brecaram a corrida ao perceber que Celeste parava na esquina de uma praça da cidade. Ela segurava em mãos uma folha de papel com muitas marcas de dobraduras, que ela mantinha fortemente segura pressionando com as duas mãos o polegar contra o dedo indicador. Angelo e Hugo, que na época eram garotos enérgicos não suportavam a ideia de que sua miniaventura tinha sido em vão. Mas essa sensação mudou quando viu que um dos jovens que passavam pela praça colocou as mãos nos olhos da sua irmã para impedir que ela o visse. Hugo se agitou como se esperasse que ele e Angelo fossem impedir algum tipo de violência contra Celeste. Mas Angelo não se moveu, e fez um sinal para Hugo também não se precipitar, e acabou sendo um palpite certeiro.

Celeste carinhosamente retirou as mãos do jovem que a abordara e virou-se para ele, ainda segurando suas mãos. Angelo via sua irmã conversar com aquele rapaz, rindo de forma muito natural e demonstrando uma felicidade imensa. Ao final, Celeste e o rapaz se beijaram longamente. Depois de se despedir do moço, Celeste voltou pra casa mais alegre e mais saltitante do que quando fora.

Ao entrar em casa a garota passou rapidamente por seu irmão e o criado que estavam fazendo tarefas escolares. Depois de um tempo, Hugo rompeu o silencio com altos risos devido a mais uma missão bem executada da dupla Angelo e Hugo. A garota nem sonhou que fora seguida.

- Parece que sua irmã está namorando escondida. Você a terá nas mãos se fizer chantagem. – disse Hugo.

- Você parece estar mais animado do que eu, Hugo. Não estou contente por termos corrido tanto pra descobrir algo tão insignificante.

- Mas já é alguma coisa. Eu acho melhor confrontá-la e ver o que pode tirar dela.

- Já eu penso o contrário. Temos que tirar algo dela primeiro. Depois vou confrontá-la.

- O que você quer dela?

- Eu quero as cartas. As cartas que ela tem recebido desse tal namorado. Isso sim seria algo digno de uma boa chantagem. – disse Angelo, como que preparando o espírito dos dois para sua próxima empreitada.

No outro dia, pela manhã, a família Paroccinio se assentou para o café. Angelo se comportou normalmente, como toda a sua família. Celeste, no entanto, parecia ainda guardar um pouco da irradiante alegria que exibira na tarde anterior. Após o café, todos se dirigiram aos seus deveres, a saber, trabalho para os adultos e escola pras crianças. Beatriz era encarregada de leva-los a escola. Após isso, se encontrava sozinho na mansão Paroccinio, Hugo Cervantes, o pequeno criado. Hugo não estava ali por acaso, já que naquele dia, Angelo tinha dado uma missão especial ao seu amigo. Hugo agora iria usar toda sua habilidade para subir por cima do forro da casa, e chegar até o quarto da primogênita da família. Enquanto Angelo se saia de maneira excelente na escola, Hugo fazia o trabalho sujo. Em menos de uma hora Hugo sorriu ao ver as cartas que procurava. Educadamente se recusou a abrir, embora achasse que seria isso o que Angelo faria. Com a missão cumprida, ele aguardou Angelo chegar.

Por volta das duas da tarde, Angelo, que estava singularmente parado no anel superior da sala, foi surpreendido por um forte empurrão que levou de Celeste. A garota estava brava, e sua fúria tinha razão, coisas que ela presava muito tinham sumido. E Angelo era a pessoa certa a quem procurar, já que ele mandou o roubo.

- Onde está? – disse Celeste, furiosa, mas com voz baixa, tentando evitar que estado de espírito fosse discernível para alheios.

- Não sei por que você me empurrou, mas se quiser minha ajuda para procurar, eu estou aqui. – respondeu Angelo, calmamente enquanto se ajeitava após levar o empurrão.

Celeste, com a boca fechada, respirava forte. Talvez o fato de ter crescido junto com Angelo a permitisse o entender. Ela sabia que o que Angelo mostrava em seu rosto nem sequer arranhava o que ele guardava na mente. Mas que escolha ela teria? Nada a não ser aceitar a “ajuda” de seu irmão caçula.

Angelo pediu para ver o quarto de sua irmã, para tentar achar o que havia se perdido, no caso: “documentos importantes”, como descritos por ela. Ao entrarem, Angelo bateu a porta com força, fazendo sua irmã se assustar.

- Sente-se, Celeste, vamos conversar. – disse Angelo, apontando para uma cadeira.

- Seu imbecil, você tinha pegado, eu sabia. Mentiroso! – Explodiu Celeste.

- Vamos com calma, minha irmã. Você terá suas cartinhas de amor. Só quero que me responda algumas perguntas.

- Prometa que não vai contar pro papai.

- Eu acho que quem fala aqui é eu, já que eu tenho suas cartas. Então me diga: o que papai e mamãe falaram com você ontem?

- É segredo! Eu nunca te contarei!

Angelo ficou cabisbaixo. Celeste falava agressivamente com o objetivo de intimidar ser irmão de treze anos de idade, que agora aprontara uma com ela e por um momento, ela acreditou ter conseguido. Angelo, aparentemente abalado, puxou dos seus bolsos vários papeizinhos dobrados. Celeste, num ato meio desesperado, pulou para cima deles e os recolheu conferindo um por um.

- Você não abriu? – perguntou Celeste

- Não. Não precisava ver essas palavras enjoativas. Mas sei do que se trata, e quem escreveu. Por isso não me importa tê-las.

- Sabe quem as escreveu?

- Sei. Não precisei romper o laço, mas vi que a assinatura final era de “Dolak, Yaroslav”. Quem diria! Puxa, iria atrapalhar bastante o trabalho dele com o papai se alguém disser ao Sr. Paroccinio que andam beijando sua filha pelas praças públicas.

Celeste interinou o sentimento de temor que teve diante das palavras do seu irmão. Ele não precisava das cartas, pois tinha informação suficiente para conseguir o que quisesse de Celeste. Vendo-se sem saída, Celeste não teve outra escolha.

- Se é isso que você quer saber, papai e mamãe me chamaram para me falar sobre o trabalho deles. O verdadeiro trabalho do papai. Ele não trabalha como corretor de imóveis. Ele trabalha em uma rede criminal de lavagem de dinheiro. Essa rede tem sido ocultada e preservada pelas famílias Paroccinio, Dolak e Marchioni por décadas. E ele disse que sua prole começaria a ser incluída nos negócios.

- Então cedo ou tarde, ele vai me chamar também, não é? – perguntou Angelo, desta vez mostrando mais a ingenuidade de um garoto do que seu gênio assustador.

- Com certeza!

Angelo se agradou da resposta, e apesar de ele e Hugo espionarem as reuniões da Suono a tempos e saber dos fatos ditos por Celeste previamente, ele ficou animado ao vislumbrar o dia em que se juntaria à sua família no mundo do crime.

Dois anos depois, aos quinze, Angelo teve a tão sonhada conversa com seus pais. No entanto, ela não terminou como ele esperava.

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