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Melodia para o Destino - Capítulo 1

CAPÍTULO I

A ENTÃO SUONO

É outono em Messina, província da Sicília – singular ilha da Itália. Julho de 1952. Em uma casa requintada e bem ajardinada a oeste do Relógio Astronômico, um casal está debruçado sobre um berço branco. A mulher já carrega uma pequena menina no colo, que com os olhos arregalados observa aquela pequena vida deitada a florescer. À medida que o sol se punha, a cerca da casa deles brilhava mais vermelhamente exultando um “P” que coroava a mansão. Aquela era a família Paroccinio, contemplando o nascimento de seu mais novo membro, o pequeno Angelo. A casa ainda abrigava uma criada sul-americana de nome Beatriz Cervantes e seu pequeno filho Hugo.

Com o passar dos anos, Angelo foi crescendo de maneira regular, junto com sua irmã mais velha, Celeste. Galiano e Kiara Paroccinio, seus pais, sempre davam total atenção às crianças. Faziam todo o possível para que as vidas deles fossem perfeitas.

Galiano Paroccinio era um homem perspicaz. Quando Celeste completou três anos, ele decidiu fazer uma experiência com sua filha. Tomou para si um desenho de uma silhueta humana e o recortou. Entregou então para a criança o desenho totalmente desmontado sem nenhuma instrução do que fazer com aquilo. A pequeníssima garota não fez nada de importante com os recortes, de início. Mas, após um tempo, embora sem muita coordenação, colocou a cabeça do desenho sobre o pescoço e o pescoço sobre o tronco e por fim, montou todo o desenho. Galiano permaneceu sério ao ver a capacidade de cognição de sua filha. Assim que Angelo completou três anos, Galiano não se demorou ao repetir o mesmo teste com seu filho caçula. Igualmente fez um desenho, igualmente recortou-o em partes e entregou para o pequeno Angelo. A criança analisava os pedaços de papel, assim como sua irmã fizera antes. Seu pai assistia pacientemente. No entanto, Angelo rejeitou os pedaços de papel que seu pai lhe dera e pôs-se a caminhar pela casa. Galiano não aceitou essa atitude e levou novamente pra Angelo os pedaços de papel, mas repetidas vezes Angelo não demonstrava o mínimo interesse. Diante dessa atitude, o Sr. Paroccinio aparentou mais incomodado do que o normal.

Três anos depois, Galiano Paroccinio continuou com seus testes unicamente com Celeste. Ele desmontou um relógio de bolso que possuía. Após isso, apresentou as peças do objeto à garota.

- Querida, - disse ele – o relógio do papai está quebrado. Quer tentar consertar pra mim?

- Sim, papai. – disse a feliz criança, que se sentava ao chão para sua pequena aventura.

O relógio, no entanto, não era algo simples de se consertar. O Sr. Paroccinio cuidou de que todas as peças estivessem separadas. Desta vez, porém, ele não esperou sentado a sua filha terminar a missão. Levantou-se e pôs-se a fazer outras coisas. Parecia prever que a pequena Celeste não terminaria o problema no mesmo dia. No dia seguinte, no entanto, Galiano espantou-se ao ver o trabalho que ele encomendara à criança, praticamente concluído! Ele então deu continuidade a um pensamento já existente em sua cabeça: A pequena Celeste tinha algo de especial. Decorrendo disso, Galiano deu um tratamento especial à sua filha, visando sempre explorar mais e mais o potencial intelectual que ela revelara ter.

Em meio a isso, o pequeno Angelo observava tudo aquilo, e se perguntava inocentemente por que seu pai não fazia os mesmos jogos e desafios com ele assim como sua irmã.

Certo dia, quando Celeste tinha nove anos, encontrou, enquanto andava pela casa, o relógio de seu pai desmontado e com as peças ordenadas sobre a mesa exatamente como ele costumava fazer. A menina, empolgada, logo concluiu que era mais um dos testes de seu pai e pôs-se a montar o objeto. Com certa perícia já adquirida, em 20 minutos ela já havia concluído. Com o objeto pronto e funcionando, ela correu pela casa, a procurar o pai para devolver-lhe sua missão cumprida, mas, parou sua correria ao encontrar seu pai entrando em casa naquele exato momento. Galiano estava agasalhado, indicando que estivera longe, e olhou para Celeste, perturbada e com o relógio em mãos.

- Sinto muito, filha. Seu pai está ocupado agora! – disse ele com testa franzida de impaciência.

- Mas eu já armei papai! – disse alegre, a menina.

- Armou o quê?

- O relógio! – disse Celeste mostrando o relógio ao pai.

Galiano tomou vagarosamente o relógio de Celeste e o olhou de maneira breve. Depois ele suspirou e ajoelhou-se para falar com sua filha.

- Celeste... Essas “brincadeiras” que nós fazemos, são só brincadeiras. Não deve achar isso importante demais. Você conseguir ou não, nunca influenciará o amor que eu sinto por você querida!

- Mas, eu consegui pai! Em 20 minutos!

- Celeste! – falou de forma mais firme – Sabemos que isso não é verdade. Você não armou o relógio porque eu não o desarmei. Não quero que minta nunca mais!

- Mas, pai. Por favor! Eu não estou mentindo, o relógio estava desmontado bem ali na mesa!

- Impossível. Pois eu e sua mãe estávamos fora! E você não sabe ainda desmontá-lo sem quebrar, e graças aos céus que não tentou. Pra encerrar esse assunto, Celeste, ficará de castigo por ter mentido!

Celeste encolheu-se diante das palavras firmes e tom forte do pai. De fato, Galiano era conhecido por sua longanimidade. Dificilmente alguém o via exaltar-se daquele jeito. Portanto, Celeste obedientemente recebeu a punição, mesmo sem ter cometido nenhum erro.

Do andar de cima, pelos espaços do parapeito de madeira que havia no hall da casa, aonde ocorreu a discussão entre pai e filha, observava tudo furtivamente o pequeno Angelo Paroccinio, com seus olhos azuis claros quase acizentados, como que vazios por dentro. Em suas mãos segurava uma pequena engrenagem de relógio. Ao levantar-se, Angelo deu-se de cara com o filho da criada Cervantes, Hugo. Angelo parecia assustado. Nunca trocaram mais de duas palavras durante as suas recentes e jovens vidas. Hugo continuava a encarar Angelo. O pequeno Paroccinio decidiu livrar-se daquela situação por dar as costas ao criado. Todavia, ao fazer isso, Hugo falou.

- Foi você quem desarmou o relógio, não foi?

Angelo foi tomado por um infantil temor de descoberta e olhou ferozmente para o pequeno Hugo.

- Escute aqui, criado! Se disser pra alguém eu mando meu pai jogar você e a sua mãe na rua!

- Não contarei pra ninguém! – disse o garotinho assustado.

Após ver que sua ameaça o havia perturbado, Angelo retirou-se e deixou o pobre Hugo ao lamento no corredor. Hugo sabia que Angelo realmente havia feito. Angelo começara a desenvolver uma “habilidade destrutiva construtiva”. Ele conseguia desorganizar de forma organizada. Derrubar sem causar danos. Ele observou apenas uma vez seu pai desarmar o relógio e compreendeu todo o processo, todas as engrenagens, cada partícula essencial e já sabia como desmontar o objeto. Angelo deixara o relógio desmontado ali com o intuito de mostrar aos seus pais o quanto de potencial ele tinha. Queria um pouco da bajulação que Celeste recebia. Mas, Celeste apareceu inocentemente e armou todo o relógio novamente, acabando com o desejo de seu irmão caçula. Isso deixou Angelo furioso por um instante, mas passou, afinal, ira de criança não dura por muito tempo.

. . .

Naquela noite, Galiano entrava então em seu quarto, bem iluminado, enquanto sua esposa lia um livro na cama. Ele, após desatar a gravata ficou um bom tempo parado de frente ao espelho.

- No que está pensando? – Perguntou Kiara, sem desviar os olhos da leitura.

- Celeste... Ela mentiu para mim hoje. – respondeu Galiano

- Isso acontece... todo mundo mente. Crianças, mais ainda. – desdenhou Kiara.

- Nem todo mundo. Nem em minha família. Não com a minha filha! Ela está sendo criada com um objetivo bem específico.

- Não esqueça que você tem dois filhos...

Galiano torceu o lábio

- Angelo... ainda é muito jovem... e é muito desligado. Justamente por ter dois filhos eu posso saber em qual deles devo investir minhas energias. Não posso deixar que um insensato qualquer destrua o império. Eu preciso de um com sangue frio.

Kiara riu enquanto lia.

- Acalme-se meu bem. Terá muito tempo pra prepará-los. Não se aflija com tal coisa.

- Eu tenho que me afligir, Kiara... É meu dever. Depois da minha família, tudo o que eu tenho, e tudo o que eu sou... é a SUONO.

Após dizer estas palavras, não menos preocupado, deitou-se na cama Galiano Paroccinio, a usar o sono unicamente pra continuar pensando e esclarecendo suas preocupações.

A SUONO, que foi referida por Galiano, apesar de ter o mesmo nome da companhia liderada futuramente por sua filha, era algo bem diferente em tais tempos. Também não se referia à empresa de corretória de imóveis Paroccinio, chefiada pela sua esposa. Não, não era.

Galiano Paroccinio era, então, o cabeça de uma organização chamada SUONO, que tinha como objetivo comercializar armas e lavar dinheiro, tudo sob o radar da lei. O nome da entidade, SUONO, deriva da palavra italiana suono que significa “som”. Galiano afirmava que apesar de suas ações se originarem de um grupo pequeno, as “ondas” provocadas trariam um resultado mais atraente e grandioso. O logo de tal organização secreta era nada mais do que um ponto inserido em um círculo, inserido em outro círculo; o que representava a estrutura organizacional da companhia. Três homens comandavam os negócios na antiga Suono: O círculo maior representava Arshavin Dolak, um russo, amigo de longa data de Galiano, que organizava toda frota armamentista da SUONO, tanto para uso como para comércio; o círculo do meio representava um homem extremamente poderoso e sagaz, que administrava com perfeição todo o dinheiro sujo que porventura o serviço ilícito deles gerasse, seu intelecto era amadurecido pela sua idade, seu nome era Zanetti Marchioni; o ponto central, logicamente era cargo de Galiano Paroccinio, a mente que uniu e mantém unido o tripé fundamental para que a SUONO mantenha-se firme e sustentável.

O trio fundador da SUONO fez um pacto de segurança e privatização da organização. Concordaram de jamais permitirem intrusos na administração da entidade. Com intrusos, eles queriam dizer, de outras famílias. Assim, pensando no futuro, os três preparavam antecipadamente seus herdeiros para assumirem suas respectivas posições e darem continuidade ao império, mantendo assim o poder concentrado. Portanto, à medida que seus filhos cresciam, eles planejavam introduzi-los gradativamente no seu perigoso universo. Planejavam, apenas, porque graças a um pontual acontecimento, os jovens tiveram de encarar a realidade um pouco antes.

Em uma das sigilosas negociações bélicas do Sr. Marchioni, ele foi surpreendido por um grupo mafioso rival chamado ISO. Apesar de seus longos anos de experiência não só em venda, mas também no manuseio de armas, era um beco sem saída. Zanetti Marchioni foi fuzilado naquela noite de 09 de Setembro de 1962, deixando a SUONO enfraquecida e carente de um dos seus fundamentais membros.

Naquele mesmo ano, quando Celeste e Angelo tinham, respectivamente, 12 e 10 anos, começou-se a desenhar um futuro misterioso para a companhia de Galiano. Um jovem tocou a campanhia da casa dos Paroccinio. Era magro, cabelos castanhos e estava bem vestido. Beatriz Cervantes abriu a porta e logo reconheceu o jovem por não ser a primeira vez que ele visitara a casa. Ele entrou e esperou por um tempo no hall. Em pouco tempo, desceu Galiano Paroccinio, de roupão, pois estava dormindo devido à hora em que se encontravam. Ele saudou o jovem e falou:

- O que te traz aqui, Yaroslav?

- Um recado do meu pai! – disse o ofegante garoto.

O jovem Yaroslav estendeu a mão entregando um envelope para o Sr. Paroccinio. O patriarca tomou o papel e imediatamente o tirou do envelope. Leu velozmente, mas ficou segurando a mensagem olhando pra ela por algum tempo. Depois de um forte suspiro ele guardou o papel e voltou-se para o mensageiro.

- Avise a Dolak que haverá uma reunião hoje mesmo, ao amanhecer.

- Ele presumiu isso senhor, e já está vindo. Cheguei primeiro porque ele estava em uma reunião importante em Samara.

- Muito bem! – disse Galiano e meio que por telepatia a criada Beatriz apareceu no recinto para levar o moço à porta.

Enquanto ele saía, Galiano exclamou:

- Yaroslav!

- Senhor? – respondeu prontamente o rapaz.

- Você também!

O rapaz parou quando ouviu isso, mas por pouco tempo. Logo retomou sua caminhada que seria, em poucas horas, refeita.

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